terça-feira, 7 de abril de 2015

PEREGRINAS INQUIETUDES


PEREGRINAS INQUIETUDES
Moisés Menezes

De onde vieram!?
Pra onde irão!?
Donde Vivem!?
Isso tudo me inquieta...

Guardavam antigos mistérios
vindos na crina dos ventos
com temporais do deserto.
Viveram junto da bela
que encantou o grande rio,
tempos de sol-divindade
magia, brumas e véus,
três enigmas na areia.

Erraram por muitos mares
buscando por certa ilha,
zombaram das flechas persas
trezentos contra um império.
Ultrapassaram limites
das cavernas platonianas ,
condores bateram asas
pra fazer ninho nos Andes.

Palmilharam muitas plagas,
viveram mil e uma noites
sob os fulgores de Alhambra.
Sonatas em rebeldia
no ventre das andaluzas,
luso-hispanica epopéia
velas ao vento nos mares
singraram, sangraram terras.

Augustas legiões guerreiras
acalmaram o flagelo
pra que a grama rebrotasse.
Embriagados no perfume
daquelas belas de Atenas,
alaram visões socráticas
para beber do absinto
nos cabarés de Paris.

De onde vieram!?
Pra onde irão!?
Donde Vivem!?
Isso tudo me inquieta...

Antigas canções mogonis
cantaram glórias do império
ao longo do grande muro.
Trovador do Langhedoc
clareou as trevas do bronze
encantando as castelãs.
Se apresenta um campeador
- Dom Rodrigo de Vivar.

Sob o luar das estepes,
alegres e rudes bailados
ao som das gaitas cossacas.
Cruzaram oceanos e mares
nunca dantes navegados
tres hileras botoneras
sonorizando as ramadas
nos dois lados do Uruguai.

Surgiram com os Aedos
amados por sete musas,
abençoados pelos deuses.
Dos bardos da Gália-Celta
aportam cordas e rimas
nas canchas retas da pampa,
eternizando em payada
Fausto,Vega e Martim Fierro

Os troveiros da Toscana
espada, capa ,sombrero
beberam água sagrada
das grandes gestas do Ganges,
prá ressurgirem na pampa
seguindo estranho lunar
libertando aves canoras
nas carpas e pulperias.

Viajores desde sempre
brincaram de amor primeiro
entre jardins encantados.
Viram terras prometidas
seguindo aquele que um dia
surgiu do seio das águas,
depois de um tempo de penas
pelos infernos de Dante.

De onde vieram!?
Pra onde irão!?
Donde Vivem!?
Isso tudo me inquieta...

Peregrinas Inquietudes
Vieram juntando lonjuras
na convergência do belo,
irão talvez por suposto
bem além dos horizontes.
Vivem todos por ai
vagando pelos ocultos
um pouco acima da terra,
um pouco abaixo do céu.

A INQUIETUDE FABRIL DO POETA
André Corrêa Rollo
Prof. Doutor em Literatura Comparada/UFRGS

                 O poema “Peregrinas inquietudes”, de Moisés Silveira de Menezes, forma, desde seu título-imagem, uma teia conceitual que persegue as respostas para os questionamentos expressos na estrofe inicial. As inquietudes manifestadas na estrofe-refrão (é retomada duas vezes ao longo do poema) são o mote para que a voz do poema (ou eu-lírico) teça um vasto inventário da trajetória humana e do imaginário da espécie.
                   A leitura atenta destes versos que perscrutam permite que várias camadas (“véus”) de textos, subtextos e intertextos se re­velem, se realcem e, ao mesmo tempo, continuem unidas e so­brepostas. O paradoxo ali manifesto é pertinente e, até mesmo, necessário devido à estrutura do poema. A manifestação poética nos remete ao importante e influente ensaio do escritor norte­-americano T. S. Eliot intitulado A tradição e o talento individu­al. Pois este título resume o trabalho poético de Moisés Menezes, como estudioso das tradições (literárias e regionais) e como poeta que não descuida nem da herança, nem da criação.
                     Antes de deixar-nos conduzir pelas peregrinas questões pelas quais o poema nos leva, é interessante lembrar da teoria de Eliot. O autor de “A Canção de amor de J. Alfred Prufrock” define a tradição como algo que não pode ser meramente herdado, mas obtido com trabalho árduo, dependente do sentido histórico: [...] o sentido histórico compreende uma percepção não só do passa­do mas da sua presença; o sentido histórico compele o homem a escrever não apenas com a sua própria geração no sangue, mas também com um sentimento de que toda a literatura europeia desde Homero, e nela a totalidade da literatura da sua pátria, pos­sui uma existência simultânea e compõe uma ordem simultânea. Esse sentido histórico, que é um sentido do intemporal bem assim como do temporal, e do intemporal e do temporal juntos, é o que torna um escritor tradicional. E é, ao mesmo tempo, o que torna um escritor mais agudamente consciente do seu lugar no tempo, da sua própria contemporaneidade. (ELIOT, s. d., p. 23)
                       Com toda a propriedade os dois lados de Moisés (o poeta e o pesquisador da poesia) mostram a percepção deste processo descrito por Eliot. Tanto no ensaio (e antologia) poético-histórico Das Margens do Nilo às Barrancas do Uruguai como neste poe­ma “Peregrinas Inquietudes” podemos ver que o autor se situa, ou melhor, insere-se naquela dialética espaço-temporal da simulta­neidade. Se naquele o ensaísta traçava o inventário poético desta “ordem simultânea” sem contentar-se apenas (como se fosse pou­co) com “a literatura europeia desde Homero” (passeando tam­bém por tradições chinesa, hindu, árabe, hebraica e egípcia), neste o poeta percorre as sendas destes imaginários tão diversos e tão unidos ao mesmo tempo.
E o inquieto espírito e suas indagações colocam não como mera questão de heranças, fontes ou influências tais relações como as que ligam a Andaluzia, o Cone Sul e o mundo árabe, por exemplo. Este mosaico composto por Moisés Silveira de Menezes mostra exemplarmente o domínio do “sentido histórico” eliotia­no. Ali vemos o homem que se apropria da tradição (leia-se no plural) percebendo a “ordem simultânea” que une o temporal e o intemporal e que, sendo homem do seu tempo e de seu local, é homem de todas as eras e lugares.
                         O plural ao qual eu peço a atenção quando falo em tra­dição deve-se à privilegiada posição do Moisés. Dominando a tradição local do pampa e conhecendo bem tanto o trabalho dos mestres quanto de seus pares contemporâneos, o poeta e ensaísta insere esta tradição naquela simultaneidade do imaginário mun­dial. A literatura gaúcha e suas nuances, no trabalho do autor, es­tão não apenas dentro daquela tradição mais ampla. Nesta viagem elas (as mais distintas tradições) estão de prosa no bolicho das Musas, passando adiante fragmentos do imaginário; às vezes de

forma agressiva como a bocha acerta a sua oposta, às vezes frater­namente como o mate que passa de mão em mão.
A cartografia literária revelada em “Peregrinas inquietu­des” já estava presente no subtítulo do trabalho ensaístico de Moi­sés Menezes (“Uma viagem pela geografia do verso”), é a cartogra­fia do imaginário do “mundo mundo vasto mundo”, quiçá infinito em sua delimitada circunferência.
Neste mapeamento literário cruzam-se ou, melhor, dialo­gam a história, a mitologia, a filosofia, a literatura oral e a litera­tura autoral. Uma vez que falo em simultaneidade de tradições, falo em pluralidade na unidade conceitual. Por isso não é absurdo dizer que o poema expressa o elogio da literatura aut(oral) ou até mesmo alt(oral), pois expressa outridades e alteridades várias.
Transitando nestas várias partes e épocas deste “vasto mundo” o(s) Moisés conhece(m) as várias poéticas possíveis, que expressam e/ou sensibilizam o rural e o citadino, o letrado e o homem de poucas letras. Naquele interstício espaço-temporal em que O Capote (Gogol) e o Romance do pala velho (Noel Guarany) dialogam, o cartógrafo Moisés mapeia, como bom poeta que é, a trajetória humana. Neste campo intersticial onde ocorre “tudo ao mesmo tempo agora”, o homo sapiens transforma-se no homo faber poético.
Ainda é necessário ressaltar que Moisés domina não so­mente a expressão poética, mostrando a mesma maestria na con­figuração da musicalidade do verso. Desde a sequência de frica­tivas (“zombaram das flechas persas”) e sibilantes (“abençoados pelos deuses”) até os versos em que as imagens expressas por pala­vras extremamente sonoras, habilmente, amalgamam os aspectos imagéticos e fônicos (“alegres e rudes bailados / ao som das gai­tas cossacas” ; “três hileras botoneras / sonorizando as ramadas”). Nestes breves e exemplares versos, Moisés não apenas fala sobre música, ele realiza a musicalização através do léxico. Resumindo, esta é a diferença entre o fazedor de versos e o poeta.


                            Moisés Silveira de Menezes é um conhecedor da arte poé­tica em seus vários ângulos e matizes e, por isso mesmo, um exí­mio poeta. E o melhor de tudo é que nosso poeta Moisés, maduro e jovem ao mesmo tempo, tem muito a nos oferecer em sua car­reira ainda em processo. “Pra onde irão !?” Não sabemos! Suas obras futuras, contudo, posso afirmar que seguirão nos conduzin­do através do caminho da boa literatura.


REFERÊNCIAS

ELIOT, Thomas Stearns. A tradição e o talento individual. In: En­saios de doutrina crítica. Lisboa: Guimarães, [s. d.]. 160

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito bom. Bravo. Belíssimo. Que todas estas manifestações iluminadas e poéticas continuam servindo para divulgar ao mundo toda a tua criatividade e sabedoria externando sentimentos de amor ao Rio Grande e ao Brasil. Parabéns.

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  3. Moisés muito lindo o poema Peregrinas Inquietudes, és um poeta de muita inspiração.Tens o sentimento dos nossos antepassados castelhanos e portugueses, parabéns.
    Anna Tarcila Nascimento Amantino

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  4. Moisés muito lindo o poema Peregrinas Inquietudes, és um poeta de muita inspiração.Tens o sentimento dos nossos antepassados castelhanos e portugueses, parabéns.
    Anna Tarcila Nascimento Amantino

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