PEREGRINAS
INQUIETUDES
Moisés Menezes
De onde vieram!?
Pra onde irão!?
Donde Vivem!?
Isso tudo me
inquieta...
Guardavam antigos
mistérios
vindos na crina dos
ventos
com temporais do
deserto.
Viveram junto da
bela
que encantou o
grande rio,
tempos de
sol-divindade
magia, brumas e
véus,
três enigmas na
areia.
Erraram por muitos
mares
buscando por certa
ilha,
zombaram das
flechas persas
trezentos contra um
império.
Ultrapassaram
limites
das cavernas
platonianas ,
condores bateram
asas
pra fazer ninho nos
Andes.
Palmilharam muitas
plagas,
viveram mil e uma
noites
sob os fulgores de
Alhambra.
Sonatas em rebeldia
no ventre das
andaluzas,
luso-hispanica
epopéia
velas ao vento nos
mares
singraram,
sangraram terras.
Augustas legiões
guerreiras
acalmaram o flagelo
pra que a grama
rebrotasse.
Embriagados no
perfume
daquelas belas de
Atenas,
alaram visões
socráticas
para beber do
absinto
nos cabarés de
Paris.
De onde vieram!?
Pra onde irão!?
Donde Vivem!?
Isso tudo me
inquieta...
Antigas canções
mogonis
cantaram glórias do
império
ao longo do grande
muro.
Trovador do
Langhedoc
clareou as trevas
do bronze
encantando as
castelãs.
Se apresenta um
campeador
- Dom Rodrigo de
Vivar.
Sob o luar das
estepes,
alegres e rudes
bailados
ao som das gaitas
cossacas.
Cruzaram oceanos e
mares
nunca dantes
navegados
tres hileras
botoneras
sonorizando as
ramadas
nos dois lados do
Uruguai.
Surgiram com os
Aedos
amados por sete
musas,
abençoados pelos
deuses.
Dos bardos da
Gália-Celta
aportam cordas e
rimas
nas canchas retas
da pampa,
eternizando em
payada
Fausto,Vega e
Martim Fierro
Os troveiros da
Toscana
espada, capa
,sombrero
beberam água
sagrada
das grandes gestas
do Ganges,
prá ressurgirem na
pampa
seguindo estranho
lunar
libertando aves
canoras
nas carpas e
pulperias.
Viajores desde
sempre
brincaram de amor
primeiro
entre jardins
encantados.
Viram terras
prometidas
seguindo aquele que
um dia
surgiu do seio das
águas,
depois de um tempo
de penas
pelos infernos de
Dante.
De onde vieram!?
Pra onde irão!?
Donde Vivem!?
Isso tudo me
inquieta...
Peregrinas Inquietudes
Vieram juntando
lonjuras
na convergência do
belo,
irão talvez por
suposto
bem além dos
horizontes.
Vivem todos por ai
vagando pelos
ocultos
um pouco acima da
terra,
um pouco abaixo do
céu.
A INQUIETUDE
FABRIL DO POETA
André Corrêa Rollo
Prof. Doutor em
Literatura Comparada/UFRGS
O poema “Peregrinas
inquietudes”, de Moisés Silveira de Menezes, forma, desde seu título-imagem,
uma teia conceitual que persegue as respostas para os questionamentos expressos
na estrofe inicial. As inquietudes manifestadas na estrofe-refrão (é retomada duas
vezes ao longo do poema) são o mote para que a voz do poema (ou eu-lírico) teça
um vasto inventário da trajetória humana e do imaginário da espécie.
A leitura atenta destes
versos que perscrutam permite que várias camadas (“véus”) de textos, subtextos
e intertextos se revelem, se realcem e, ao mesmo tempo, continuem unidas e sobrepostas.
O paradoxo ali manifesto é pertinente e, até mesmo, necessário devido à
estrutura do poema. A manifestação poética nos remete ao importante e influente
ensaio do escritor norte-americano T. S. Eliot intitulado A tradição e o
talento individual. Pois este título resume o trabalho poético de Moisés
Menezes, como estudioso das tradições (literárias e regionais) e como poeta que
não descuida nem da herança, nem da criação.
Antes de deixar-nos
conduzir pelas peregrinas questões pelas quais o poema nos leva, é interessante
lembrar da teoria de Eliot. O autor de “A Canção de amor de J. Alfred Prufrock”
define a tradição como algo que não pode ser meramente herdado, mas obtido com
trabalho árduo, dependente do sentido histórico: [...] o sentido histórico
compreende uma percepção não só do passado mas da sua presença; o sentido
histórico compele o homem a escrever não apenas com a sua própria geração no
sangue, mas também com um sentimento de que toda a literatura europeia desde
Homero, e nela a totalidade da literatura da sua pátria, possui uma existência
simultânea e compõe uma ordem simultânea. Esse sentido histórico, que é um sentido
do intemporal bem assim como do temporal, e do intemporal e do temporal juntos,
é o que torna um escritor tradicional. E é, ao mesmo tempo, o que torna um
escritor mais agudamente consciente do seu lugar no tempo, da sua própria
contemporaneidade. (ELIOT, s. d., p. 23)
Com toda a propriedade
os dois lados de Moisés (o poeta e o pesquisador da poesia) mostram a percepção
deste processo descrito por Eliot. Tanto no ensaio (e antologia)
poético-histórico Das Margens do Nilo às Barrancas do Uruguai como neste poema
“Peregrinas Inquietudes” podemos ver que o autor se situa, ou melhor, insere-se
naquela dialética espaço-temporal da simultaneidade. Se naquele o ensaísta
traçava o inventário poético desta “ordem simultânea” sem contentar-se apenas
(como se fosse pouco) com “a literatura europeia desde Homero” (passeando também
por tradições chinesa, hindu, árabe, hebraica e egípcia), neste o poeta
percorre as sendas destes imaginários tão diversos e tão unidos ao mesmo tempo.
E
o inquieto espírito e suas indagações colocam não como mera questão de
heranças, fontes ou influências tais relações como as que ligam a Andaluzia, o
Cone Sul e o mundo árabe, por exemplo. Este mosaico composto por Moisés
Silveira de Menezes mostra exemplarmente o domínio do “sentido histórico”
eliotiano. Ali vemos o homem que se apropria da tradição (leia-se no plural)
percebendo a “ordem simultânea” que une o temporal e o intemporal e que, sendo
homem do seu tempo e de seu local, é homem de todas as eras e lugares.
O plural ao qual eu
peço a atenção quando falo em tradição deve-se à privilegiada posição do
Moisés. Dominando a tradição local do pampa e conhecendo bem tanto o trabalho
dos mestres quanto de seus pares contemporâneos, o poeta e ensaísta insere esta
tradição naquela simultaneidade do imaginário mundial. A literatura gaúcha e
suas nuances, no trabalho do autor, estão não apenas dentro daquela tradição
mais ampla. Nesta viagem elas (as mais distintas tradições) estão de prosa no
bolicho das Musas, passando adiante fragmentos do imaginário; às vezes de
forma
agressiva como a bocha acerta a sua oposta, às vezes fraternamente como o mate
que passa de mão em mão.
A
cartografia literária revelada em “Peregrinas inquietudes” já estava presente
no subtítulo do trabalho ensaístico de Moisés Menezes (“Uma viagem pela
geografia do verso”), é a cartografia do imaginário do “mundo mundo vasto
mundo”, quiçá infinito em sua delimitada circunferência.
Neste
mapeamento literário cruzam-se ou, melhor, dialogam a história, a mitologia, a
filosofia, a literatura oral e a literatura autoral. Uma vez que falo em
simultaneidade de tradições, falo em pluralidade na unidade conceitual. Por
isso não é absurdo dizer que o poema expressa o elogio da literatura aut(oral)
ou até mesmo alt(oral), pois expressa outridades e alteridades várias.
Transitando
nestas várias partes e épocas deste “vasto mundo” o(s) Moisés conhece(m) as
várias poéticas possíveis, que expressam e/ou sensibilizam o rural e o
citadino, o letrado e o homem de poucas letras. Naquele interstício
espaço-temporal em que O Capote (Gogol) e o Romance do pala velho (Noel
Guarany) dialogam, o cartógrafo Moisés mapeia, como bom poeta que é, a
trajetória humana. Neste campo intersticial onde ocorre “tudo ao mesmo tempo
agora”, o homo sapiens transforma-se no homo faber poético.
Ainda
é necessário ressaltar que Moisés domina não somente a expressão poética,
mostrando a mesma maestria na configuração da musicalidade do verso. Desde a
sequência de fricativas (“zombaram das flechas persas”) e sibilantes
(“abençoados pelos deuses”) até os versos em que as imagens expressas por palavras
extremamente sonoras, habilmente, amalgamam os aspectos imagéticos e fônicos
(“alegres e rudes bailados / ao som das gaitas cossacas” ; “três hileras
botoneras / sonorizando as ramadas”). Nestes breves e exemplares versos, Moisés
não apenas fala sobre música, ele realiza a musicalização através do léxico.
Resumindo, esta é a diferença entre o fazedor de versos e o poeta.
Moisés Silveira de
Menezes é um conhecedor da arte poética em seus vários ângulos e matizes e,
por isso mesmo, um exímio poeta. E o melhor de tudo é que nosso poeta Moisés,
maduro e jovem ao mesmo tempo, tem muito a nos oferecer em sua carreira ainda
em processo. “Pra onde irão !?” Não sabemos! Suas obras futuras, contudo, posso
afirmar que seguirão nos conduzindo através do caminho da boa literatura.
REFERÊNCIAS
ELIOT, Thomas Stearns. A tradição e o talento individual.
In: Ensaios de doutrina crítica. Lisboa: Guimarães, [s. d.]. 160
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom. Bravo. Belíssimo. Que todas estas manifestações iluminadas e poéticas continuam servindo para divulgar ao mundo toda a tua criatividade e sabedoria externando sentimentos de amor ao Rio Grande e ao Brasil. Parabéns.
ResponderExcluirMoisés muito lindo o poema Peregrinas Inquietudes, és um poeta de muita inspiração.Tens o sentimento dos nossos antepassados castelhanos e portugueses, parabéns.
ResponderExcluirAnna Tarcila Nascimento Amantino
Moisés muito lindo o poema Peregrinas Inquietudes, és um poeta de muita inspiração.Tens o sentimento dos nossos antepassados castelhanos e portugueses, parabéns.
ResponderExcluirAnna Tarcila Nascimento Amantino