sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

CASA TOMADA--JULIO CORTÁZAR



Gostávamos da casa porque, além de ser espaçosa e antiga (as casas antigas de hoje sucumbem às mais vantajosas liquidações dos seus materiais), guardava as lembranças de nossos bisavós, do avô paterno, de nossos pais e de toda a nossa infância.

Acostumamo-nos Irene e eu a persistir sozinhos nela, o que era uma loucura, pois nessa casa poderiam viver oito pessoas sem se estorvarem. Fazíamos a limpeza pela manhã, levantando-nos às sete horas, e, por volta das onze horas, eu deixava para Irene os últimos quartos para repassar e ia para a cozinha. O almoço era ao meio-dia, sempre pontualmente; já que nada ficava por fazer, a não ser alguns pratos sujos. Gostávamos de almoçar pensando na casa profunda e silenciosa e em como conseguíamos mantê-la limpa. Às vezes chegávamos a pensar que fora ela a que não nos deixou casar. Irene dispensou dois pretendentes sem motivos maiores, eu perdi Maria Esther pouco antes do nosso noivado. Entramos na casa dos quarenta anos com a inexpressada idéia de que o nosso simples e silencioso casamento de irmãos era uma necessária clausura da genealogia assentada por nossos bisavós na nossa casa. Ali morreríamos algum dia, preguiçosos e toscos primos ficariam com a casa e a mandariam derrubar para enriquecer com o terreno e os tijolos; ou melhor, nós mesmos a derrubaríamos com toda justiça, antes que fosse tarde demais.

Irene era uma jovem nascida para não incomodar ninguém. Fora sua atividade matinal, ela passava o resto do dia tricotando no sofá do seu quarto. Não sei por que tricotava tanto, eu penso que as mulheres tricotam quando consideram que essa tarefa é um pretexto para não fazerem nada. Irene não era assim, tricotava coisas sempre necessárias, casacos para o inverno, meias para mim, xales e coletes para ela. Às vezes tricotava um colete e depois o desfazia num instante porque alguma coisa lhe desagradava; era engraçado ver na cestinha aquele monte de lã encrespada resistindo a perder sua forma anterior. Aos sábados eu ia ao centro para comprar lã; Irene confiava no meu bom gosto, sentia prazer com as cores e jamais tive que devolver as madeixas. Eu aproveitava essas saídas para dar uma volta pelas livrarias e perguntar em vão se havia novidades de literatura francesa. Desde 1939 não chegava nada valioso na Argentina. Mas é da casa que me interessa falar, da casa e de Irene, porque eu não tenho nenhuma importância. Pergunto-me o que teria feito Irene sem o tricô. A gente pode reler um livro, mas quando um casaco está terminado não se pode repetir sem escândalo. Certo dia encontrei numa gaveta da cômoda xales brancos, verdes, lilases, cobertos de naftalina, empilhados como num armarinho; não tive coragem de lhe perguntar o que pensava fazer com eles. Não precisávamos ganhar a vida, todos os meses chegava dinheiro dos campos que ia sempre aumentando. Mas era só o tricô que distraía Irene, ela mostrava uma destreza maravilhosa e eu passava horas olhando suas mãos como puas prateadas, agulhas indo e vindo, e uma ou duas cestinhas no chão onde se agitavam constantemente os novelos. Era muito bonito.

Como não me lembrar da distribuição da casa! A sala de jantar, lima sala com gobelins, a biblioteca e três quartos grandes ficavam na parte mais afastada, a que dá para a rua Rodríguez Pena. Somente um corredor com sua maciça porta de mogno isolava essa parte da ala dianteira onde havia um banheiro, a cozinha, nossos quartos e o salão central, com o qual se comunicavam os quartos e o corredor. Entrava-se na casa por um corredor de azulejos de Maiorca, e a porta cancela ficava na entrada do salão. De forma que as pessoas entravam pelo corredor, abriam a cancela e passavam para o salão; havia aos lados as portas dos nossos quartos, e na frente o corredor que levava para a parte mais afastada; avançando pelo corredor atravessava-se a porta de mogno e um pouco mais além começava o outro lado da casa, também se podia girar à esquerda justamente antes da porta e seguir pelo corredor mais estreito que levava para a cozinha e para o banheiro. Quando a porta estava aberta, as pessoas percebiam que a casa era muito grande; porque, do contrário, dava a impressão de ser um apartamento dos que agora estão construindo, mal dá para mexer-se; Irene e eu vivíamos sempre nessa parte da casa, quase nunca chegávamos além da porta de mogno, a não ser para fazer a limpeza, pois é incrível como se junta pó nos móveis. Buenos Aires pode ser uma cidade limpa; mas isso é graças aos seus habitantes e não a outra coisa. Há poeira demais no ar, mal sopra uma brisa e já se apalpa o pó nos mármores dos consoles e entre os losangos das toalhas de macramê; dá trabalho tirá-lo bem com o espanador, ele voa e fica suspenso no ar um momento e depois se deposita novamente nos móveis e nos pianos.

Lembrarei sempre com toda a clareza porque foi muito simples e sem circunstâncias inúteis. Irene estava tricotando no seu quarto, por volta das oito da noite, e de repente tive a idéia de colocar no fogo a chaleira para o chimarrão. Andei pelo corredor até ficar de frente à porta de mogno entreaberta, e fazia a curva que levava para a cozinha quando ouvi alguma coisa na sala de jantar ou na biblioteca. O som chegava impreciso e surdo, como uma cadeira caindo no tapete ou um abafado sussurro de conversa. Também o ouvi, ao mesmo tempo ou um segundo depois, no fundo do corredor que levava daqueles quartos até a porta. Joguei-me contra a parede antes que fosse tarde demais, fechei-a de um golpe, apoiando meu corpo; felizmente a chave estava colocada do nosso lado e também passei o grande fecho para mais segurança.

Entrei na cozinha, esquentei a chaleira e, quando voltei com a bandeja do chimarrão, falei para Irene:

— Tive que fechar a porta do corredor. Tomaram a parte dos fundos.

Ela deixou cair o tricô e olhou para mim com seus graves e cansados olhos.

— Tem certeza?

Assenti.

— Então — falou pegando as agulhas — teremos que viver deste lado. 

Eu preparava o chimarrão com muito cuidado, mas ela demorou um instante para retornar à sua tarefa. Lembro-me de que ela estava tricotando um colete cinza; eu gostava desse colete.

Os primeiros dias pareceram-nos penosos, porque ambos havíamos deixado na parte tomada muitas coisas de que gostávamos. Meus livros de literatura francesa, por exemplo, estavam todos na biblioteca. Irene pensou numa garrafa de Hesperidina de muitos anos. Freqüentemente (mas isso aconteceu somente nos primeiros dias) fechávamos alguma gaveta das cômodas e nos olhávamos com tristeza. 

— Não está aqui.

E era mais uma coisa que tínhamos perdido do outro lado da casa. 

Porém também tivemos algumas vantagens. A limpeza simplificou-se tanto que, embora levantássemos bem mais tarde, às nove e meia por exemplo, antes das onze horas já estávamos de braços cruzados. Irene foi se acostumando a ir junto comigo à cozinha para me ajudar a preparar o almoço. Depois de pensar muito, decidimos isto: enquanto eu preparava o almoço, Irene cozinharia os pratos para comermos frios à noite. Ficamos felizes, pois era sempre incômodo ter que abandonar os quartos à tardinha para cozinhar. Agora bastava pôr a mesa no quarto de Irene e as travessas de comida fria.

Irene estava contente porque sobrava mais tempo para tricotar. Eu andava um pouco perdido por causa dos livros, mas, para não afligir minha irmã, resolvi rever a coleção de selos do papai, e isso me serviu para matar o tempo. Divertia-nos muito, cada um com suas coisas, quase sempre juntos no quarto de Irene que era o mais confortável. Às vezes Irene falava: 

— Olha esse ponto que acabei de inventar. Parece um desenho de um trevo?

Um instante depois era eu que colocava na frente dos seus olhos um quadradinho de papel para que olhasse o mérito de algum selo de Eupen e Malmédy. Estávamos muito bem, e pouco a pouco começamos a não pensar. Pode-se viver sem pensar.

(Quando Irene sonhava em voz alta eu perdia o sono. Nunca pude me acostumar a essa voz de estátua ou papagaio, voz que vem dos sonhos e não da garganta. Irene falava que meus sonhos consistiam em grandes sacudidas que às vezes faziam cair o cobertor ao chão. Nossos quartos tinham o salão no meio, mas à noite ouvia-se qualquer coisa na casa. Ouvíamos nossa respiração, a tosse, pressentíamos os gestos que aproximavam a mão do interruptor da lâmpada, as mútuas e freqüentes insônias.

Fora isso tudo estava calado na casa. Durante o dia eram os rumores domésticos, o roçar metálico das agulhas de tricô, um rangido ao passar as folhas do álbum filatélico. A porta de mogno, creio já tê-lo dito, era maciça. Na cozinha e no banheiro, que ficavam encostados na parte tomada, falávamos em voz mais alta ou Irene cantava canções de ninar. Numa cozinha há bastante barulho da louça e vidros para que outros sons irrompam nela. Muito poucas vezes permitia-se o silêncio, mas, quando voltávamos para os quartos e para o salão, a casa ficava calada e com pouca luz, até pisávamos devagar para não incomodar-nos. Creio que era por isso que, à noite, quando Irene começava a sonhar em voz alta, eu ficava logo sem sono.) 

É quase repetir a mesma coisa menos as conseqüências. Pela noite sinto sede, e antes de ir para a cama eu disse a Irene que ia até a cozinha pegar um copo d'água. Da porta do quarto (ela tricotava) ouvi barulho na cozinha ou talvez no banheiro, porque a curva do corredor abafava o som. Chamou a atenção de Irene minha maneira brusca de deter-me, e veio ao meu lado sem falar nada. Ficamos ouvindo os ruídos, sentindo claramente que eram deste lado da porta de mogno, na cozinha e no banheiro, ou no corredor mesmo onde começava a curva, quase ao nosso lado.

Sequer nos olhamos. Apertei o braço de Irene e a fiz correr comigo até a porta cancela, sem olhar para trás. Os ruídos se ouviam cada vez mais fortes, porém surdos, nas nossas costas. Fechei de um golpe a cancela e ficamos no corredor. Agora não se ouvia nada.

— Tomaram esta parte — falou Irene. O tricô pendia das suas mãos e os fios chegavam até a cancela e se perdiam embaixo da porta. Quando viu que os novelos tinham ficado do outro lado, soltou o tricô sem olhar para ele.

— Você teve tempo para pegar alguma coisa? — perguntei-lhe inutilmente.

—Não,nada.

Estávamos com a roupa do corpo. Lembrei-me dos quinze mil pesos no armário do quarto.Agora já era tarde.

Como ainda ficara com o relógio de pulso, vi que eram onze da noite. Enlacei com meu braço a cintura de Irene (acho que ela estava chorando) e saímos assim à rua. Antes de partir senti pena, fechei bem a porta da entrada e joguei a chave no ralo da calçada. Não fosse algum pobre-diabo ter a idéia de roubar e entrar na casa, a essa hora e com a casa tomada.



JULIO CORTÁZAR

Julio Florencio Cortázar (Embaixada da Argentina em Ixelles, 26 de agosto de 1914  Paris, 12 de fevereiro de1984) .Filho de argentinos, nasceu na embaixada da Argentina em Ixelles, distrito de Bruxelas, na Bélgica, e voltou a sua terra natal aos quatro anos de idade. Seus pais se separaram posteriormente e passou a ser criado pela mãe, uma tia e uma avó. Passou a maior parte de sua infância em Banfield, na Argentina, e não era uma criança totalmente feliz, apresentando uma tristeza frequente. Declararia: "Pasé mi infancia en una bruma de duendes, de elfos, con un sentido del espacio y del tiempo diferente al de los demás".1 Cortázar era uma criança bastante doente e passava muito tempo na cama, lendo livros que sua mãe selecionava. Muitos de seus contos são autobiográficos, como Bestiario, Final del juego, Los venenos e La Señorita Cora, entre outros.
Formou-se Professor em Letras em 1935, na "Escuela Normal de Profesores Mariano Acosta", e naquela época começou a frequentar lutas de boxe. Em 1938, com uma tiragem de 250 exemplares, editou Presencia, livro de poemas, sob o pseudônimo "Julio Denis". Lecionou em algumas cidades do interior do país, foi professor de literatura na "Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad Nacional de Cuyo", mas renunciou ao cargo quando Perónassumiu a presidência da Argentina. Empregou-se na Câmara do Livro em Buenos Aires e realizou alguns trabalhos de tradução.
Em 1951, aos 37 anos, Cortázar, por não concordar com a ditadura na Argentina, partiu para Paris (França), pois havia recebido uma bolsa do governo francês para ali estudar por dez meses, e acabou se instalando definitivamente. Trabalhou durante muitos anos como tradutor da Unesco e viveria em Paris até a sua morte. Teve uma relação de amizade com os artistas argentinos Julio Silva eLuis Tomasello, com os quais realizaria vários projetos conjuntos. Politicamente, o autor também foi um mistério, devido à fragilidade dos rótulos da época, pois, para a CIA, tratava-se de um perigoso esquerdista a soldo da KGB, enquanto esta considerava-o um notório agente do imperialismo a soldo da CIA e perigoso agitador anti-soviético, já que denunciava as prisões em Moscou dos chamados dissidentes.
Cortázar casou com Aurora Bernárdez en 1953, uma tradutora argentina. Viviam em París, sob condições econômicas difíceis e surgiu a oportunidade de traduzir a obra completa, em prosa, de Edgar Allan Poe para a Universidad de Puerto Rico. Esse trabalho foi considerado pelos críticos como a melhor tradução da obra do escritor.
Em 1963 visitou Cuba enviado pela Casa de las Américas, para ser jurado em um concurso. Foi a época de intensificação do seu fascínio pela política. No mesmo ano teve um livro traduzido para o inglês. Em 1962, lança Historias de Cronopios y Famas, e o ano de 1963 marcou o lançamento de Rayuela, que foi seu grande sucesso e teve cinco mil cópias vendidas no mesmo ano. Em 1959 saiu o volume Final del Juego. Seu artigo Para Llegar a Lezama Lima foi publicado na revista "Union", em Havana. Depois desses anos, Cortázar se comprometeu politicamente na libertação da América Latina sob regimes ditatoriais.
Em novembro de 1970 viaja ao Chile, onde se solidarizou com o governo de Salvador Allende. Em 1971, foi "excomungado" por Fidel Castro, assim como outros escritores, por pedir informações sobre o desaparecimento do poeta Heberto Padilla. Apesar de sua desilusão com a atitude de Castro, continuou acompanhando a situação política da América Latina.
Em 1973, recebeu o Prêmio Médicis por seu Libro de Manuel e destinou seus direitos à ajuda dos presos políticos na Argentina. Em 1974, foi membro do Tribunal Bertrand Russell II, reunido em Roma para examinar a situação política na América Latina, en particular as violações dos Direitos Humanos.
Em 1976, viajou para Costa Rica, onde se encontrou com Sergio Ramírez e Ernesto Cardenal, e fez uma viagem clandestina até Solentiname, na Nicarágua. Esta viagem o marcaria para sempre e seria o começo de uma série de visitas a este país.
Em agosto de 1981 sofreu uma hemorragia gástrica. Em 1983, volta a democracia na Argentina, e Cortázar fez uma última viagem à sua pátria, onde foi recebido calorosamente por seus admiradores, que o paravam na rua e lhe pediam autógrafos, em contraste com a indiferença das autoridades nacionais. Depois de visitar vários amigos, regressou a Paris. Pouco depois lhe foi outorgada a nacionalidade francesa.
Carol Dunlop, sua última esposa, faleceu em 2 de novembro de 1982, e Cortázar teve uma profunda depressão. Morreu de leucemia em 1984, sendo enterrado noCemitério do Montparnasse, na mesma tumba de Carol. Em sua tumba se ergue a imagem de um "cronópio", personagem criado pelo escritor.2
Em Buenos Aires, a praça situada na interseção das ruas Serrano e Honduras leva seu nome. Em 2007 foi dado oficialmente o nome de "Plaza Julio Cortazar" à pequena praça no extremo ocidental da "Île Saint Louis", onde ocorre o conto Las Babas del Diablo.
É considerado um dos autores mais inovadores e originais de seu tempo, mestre do conto curto e da prosa poética, comparável a Jorge Luis Borges e Edgar Allan Poe. Foi o criador de novelas que inauguraram uma nova forma de fazer literatura na América Latina, rompendo os moldes clássicos mediante narrações que escapam da linearidade temporal e onde os personagens adquirem autonomia e profundidade psicológica inéditas.
Seu livro mais conhecido é Rayuela (O Jogo da Amarelinha), de 1963, que permite várias leituras orientadas pelo próprio autor.
Cortázar inspirou um grande número de cineastas, entre eles o italiano Michelangelo Antonioni, cujo longa-metragem Blow-up foi baseado no conto As Babas do Diabo (do livro As Armas Secretas).
O livro Histórias de Cronópios e de Famas foi escrito por Cortázar em Roma e Paris, no período de 1952 a 1959, mas foi publicado em 1962. Ofereceu uma espécie de reinvenção do mundo através de seus personagens, os "cronópios", os "famas" e as "esperanças", que alcançam sensibilidade e fascínio na medida em que traduzem a psicologia humana.
Os cronópios, segundo Cortázar, são criaturas verdes e úmidas, distraídas, e sua força é a poesia. Eles cantam como as cigarras, indiferentes ao cotidiano, esquecem tudo, são atropelados, choram, perdem o que trazem nos bolsos e, quando saem em viagem, perdem o trem, chove a cântaros, levam coisas que não lhes servem.
Os famas, pelo contrário, são organizados e práticos, prudentes, fazem cálculos e embalsamam sua lembranças; quando fazem uma viagem, mandam alguém na frente para verificar os preços e a cor dos lençóis.

As esperanças "são sedentárias e deixam-se viajar pelas coisas e pelos homens, e são como as estátuas, que é preciso ir vê-las, porque elas não vêm até nós3 ".

RICARDO GÜIRALDES-DON SEGUNDO SOMBRA

Ricardo Güiraldes,



uno de los escritores y novelistas más importantes de la literatura argentina, autor de Don Segundo Sombra, nacía el 13 de febrero de 1886.
  Güiraldes nació en 1886, en una acaudalada familia porteña. Se traslado, junto a su familia, a  Francia cuando había cumplido un año. Pasó en Europa su primera infancia, aprendiendo a hablar francés, alemán y por último castellano.



En 1890 los Güiraldes vuelven a Buenos Aires. La vida de Ricardo se repartía entre la casa en plena ciudad y la estancia "La Porteña" en San Antonio de Areco.

El despertar a la vida en las grandes ciudades del mundo marcó su futuro estilo cosmopolita y universal.

Su infancia en el campo le descubrió al gaucho y marcó el objetivo final de su obra literaria.

En su juventud tuvo un fugaz paso por las facultades de arquitectura y derecho en las que no logró más que aplazos.

Se convirtió en el más pícaro de los playboys, las fiestas, la noche, el tango y las mujeres. Europa se rindió a su encanto. Pero entre todas las mujeres, Ricardo se rindió a una argentina, Adelina del Carril. Con ella se casó en 1913 y de ese matrimonio nacieron en 1915 los dos primeros libros de Güiraldes: "El cencerro de cristal" y "Cuentos de muerte y de sangre". Fueron rotundamente despreciados por la crítica e ignorados por el público. Ricardo los tiró en el pozo de "La Porteña".

En 1923 publico Xaimaca ,libro de viajes en forma de novela , de estilo e imagineria poéticos  e impresionistas.En 1926, Ricardo Güiraldes había recorrido con sus viajes las grandes ciudades del mundo.
En todas partes encontró un cuadro similar. El paisaje estaba dominado por la era industrial y su herramienta fundamental, la producción en cadena.Hombres y mujeres solo eran un engranaje, una pieza más de las grandes fábricas y empresas.Había nacido la sociedad de masas. Las personas apretadas en las ciudades, perdían su identidad para sumarse a la multitud.

Güiraldes con su obra proponía al lector recuperar su identidad perdida. Ser uno, en lugar de muchos.
Ricardo Güiraldes logró que el folklorismo trascendiera sus límites locales. Creó un lenguaje universal. el gaucho y La Pampa perdieron su encierro y se sumaron al bagaje literario de las gentes de cada rincón del planeta.

Su obra culmina con el clásico Don Segundo Sombra (1926) cuya historia se basa en el Kim de R. Kipling , con metáforas procedentes del vanguardismo frances de principios de siglo, en esta obra el cosmopolismo literario y el arraigo al país se funden en una de las producciones más características de la moderna literatura latinoamericana.

DON SEGUNDO SOMBRA

Don Segundo Sombra es una novela rural argentina de Ricardo Güiraldes terminada de escribir en el año de 1926, que a diferencia del poema "Martín Fierro" deJosé Hernández no reivindica socialmente al gaucho, sino que lo evoca como personaje legendario ("sombra"), en un tono elegíaco.
El título del libro, escrito por un estanciero (Ricardo Güiraldes) es sintomático, si no fuera por el tratamiento respetuoso de Don (derivado del latín Domini = dueño,señor).
En efecto "Segundo Sombra" parece sugerir a un subalterno, si bien la prelación respetuosa con el tratamiento de Don contrapesa (quizás sin que Güiraldes fuera consciente de ello) la subalternidad, señala a un gaucho que por mantener su axiología, sus principios, resulta superior a la axiología burguesa. Ricardo Güiraldes aprende en una especie de viaje iniciático lo que es el valor, el honor, la lealtad (que desde otra perspectiva puede mal interpretarse como subalternidad), el respeto al prójimo (todo esto, amenizado en el libro con descripciones). La novela fue publicada en 1926, está escrita narrativamente en primera persona.
Es hijo de una familia rica de la aristocracia vernácula. Nació en 1886 y murió en 1927. Repartió su existencia entre viajes a la India y a la China y su pago, San Antonio de Areco. En 1887 fue con sus padres a París y allí viviría sus primeros años, en inicial contacto con autores franceses y alemanes. La mayor parte de la adolescencia, la pasaría en la estancia paterna, "La Porteña", en cuyo ámbito y en buena medida, habría de mover a sus personajes literarios. En la ciudad deBuenos Aires iniciaría dos carreras universitarias que no habría de concluir, arquitectura y derecho. En 1910 regresaría a París, donde comenzaría a escribir cuentos y poemas. Entre estos trabajos primerizos se hallaría la novela "Raucho", que lleva el nombre del personaje principal. Que, al igual que su autor, reparte su vida entre el campo y París. Acabando finalmente por un regreso a la estancia donde siente que "su chiripá, sólo desprendido de la faja, se había envilecido en el polvo de los caminos extranjeros".
Esta disyuntiva entre la vida de campo y la intelectual, desarrollada en ámbitos urbanos, se ha de mostrar, también, en "Don Segundo Sombra". Fabio Cáceres, el pequeño resero del comienzo, al igual que el el protagonista de Raucho, se ha de transformar, al finalizar la novela en un hombre cultivado que, en ningún momento pretenderá disimular la satisfacción honda y sentida que continúa encontrando en la vida rústica mente rural.
Esta novela, publicada en San Antonio De Areco en 1926, representa la más destacada tentativa de su autor en el propósito de renovación de la literatura gauchesca, y constituye, al mismo tiempo, una de las más prominentes muestras de la novela nacional del siglo XX. Destaquemos que el principal personaje fue tomado por el autor de un paisano real, de nombre Segundo Ramírez. La descripción que hace de Don Segundo, coincide en un todo, con la foto que se conserva del homónimo Ramírez. "El pecho era vasto, las coyunturas huesudas como las de un potro, los pies cortos con un empeine a lo galleta, las manos gruesas y cuerudas como cascarón de peludo. Su tez aindiada, sus ojos ligeramente levantados hacia las sienes y pequeños. Para conversar mejor habíase echado atrás el chambergo de ala escasa, descubriendo un flequillo cortado como crin a la altura de las cejas".
A lo largo de la obra, la novela recoge las experiencias del autor en los pagos de San Antonio de Areco. Sin embargo, el trabajo no aspira a tener un carácter realista o presentador de costumbres, sino que, desde la perspectiva del narrador -el mocito Fabio Cáceres- se propone desenvolver el desarrollo espiritual y físico de un adolescente que madura y se va haciendo hombre a la vera de un gaucho cabal. Así, es Fabio el que tiene a su cargo el relato en primera persona y quien va narrando a través del tiempo los momentos de su infancia de huérfano en casa de sus tías, hasta la inesperada conversión final en un hombre que es sorprendido por la no esperada herencia de una considerable fortuna. El punto de partida es el inicio de esa morosa evocación, lo que lleva al libro a confundirse con una suave nostalgia, a veces elegíaca y dolorosa, ante la pérdida de una vida libre, cariñosa y feliz, al lado del taciturno Don Segundo. Los dos personajes principales, el gaucho viejo, curtido y silencioso, y el joven peoncito que ve en Don Segundo a "su padrino", constituyen una pareja que se desenvuelve ante nuestra mirada en un tiempo ya transcurrido, desde la ciega admiración del muchacho que a instancias de su tutor, se va "haciendo duro". Don Segundo, mágicamente, se transforma ante el lector en una visión viva, idealizada y mítica, como si perteneciera a un pretérito perdido irrevocablemente.
Hacia el final, Fabio Cáceres recuerda los últimos tres años en que de simple gaucho resero se transformó en patrón de los bienes insospechadamente heredados. Se encuentra frente a una laguna y sospecha que se aproxima el momento más triste de su vida, el del definitivo alejamiento de su "padrino". Cerca del agua rememora el hilo de la síntesis de los tiempos anteriores...
"Está visto que en mi vida el agua es como un espejo en que desfilan las imágenes del pasado. A orillas de un arroyo resumí antaño mi niñez. Dando de beber a mi caballo en la picada de un río, revisé cinco años de andanzas gauchas. Por último, sentado sobre la pequeña barranca de una laguna, en mis posesiones, consultaba mentalmente mi diario de patrón".
Tales períodos a que se refiere Fabio pueden distribuirse y sintetizarse en el siguiente esquema. En primer lugar, los recuerdos del huérfano de catorce años. Luego, los días de aprendizaje de las tareas de arreo y de doma, con la ayuda de Don Segundo. Momentos de la vida luchada en el campo bajo la vigilancia del que ha venido a ser su amado padrastro. Y por último, en la evocación, el desenlace de la separación definitiva.
El tiempo presente se une al pasado y el lector es sumido imperceptiblemente en la nostalgia rememorativa. Con lo cual se acentúa el lirismo "elegíaco" que se alterna con los momentos felices y despreocupados que resplandecen en el libro.
Hay momentos en que Fabio evoca los singulares días de su infancia y va reconociendo su transformación en gaucho; su indumentaria y la posesión de su caballo, son un testimonio. La metamorfosis es atribuida a Don Segundo, que en el término de cinco años ha hecho de él un hombre. Guiándolo en el conocimiento de las tareas rurales, como reserobaquiano y domador. Pero el aprendizaje no se cierra en lo material. Se amplifica moral y espiritualmente en la formación de un carácter y de una límpida conducta hacia la vida. Alcanzándole "resistencia y entereza en la lucha", "fatalismo en aceptar sin rezongos lo sucedido", "fuerza moral ante las aventuras sentimentales", "desconfianza para con las mujeres y la bebida", la alerta y "la prudencia entre los forasteros"...y "la fe en los amigos".
Así vemos como se superponen en un ensamble conmovedor la formación de un hombre útil y de provecho y la conformación de una personalidad moralmente cabal.Y bien se ve que esta conjunción prodigiosa no ha de trastabillar cuando Fabio, ineluctablemente atado a los bienes que ha heredado, y ya habiendo resuelto ser un hombre cultivado, presiente con desgarro que no logrará retener a su vera a su maestro, que, como lo sabe bien el alumno, es "un espíritu anárquico y solitario".
Desde el primer encuentro Fabio lo pinta como un fantasma o "sombra" huidiza. "Me pareció haber visto un fantasma, una sombra,algo que pasa y es más una idea que un ser..." Esa admiración incondicional del primer encuentro se acentuará cuando la vida de Fabio comience a transitar junto a la del gaucho.
El apellido de Don Segundo da una clave para ubicarlo en la mente de Fabio. Y también en la de Ricardo Güiraldes. Estamos ante un gaucho idealizado, suma de todas las virtudes del hombre rural en su "esencialidad". Aunque debemos señalar que los críticos literarios de la izquierda argentina, no vacilarán en decir, con dictámenes sociológicos dignos de análisis, que Don Segundo es la visión nostálgica y elegíaca de los hacendados oligárquicos, separados, tanto en la realidad, como en la literatura gauchesca, de un personaje combativo, luchador, reivindicativo, como Martín Fierro . Ante la obra santificada por Lugones, el mismo Borges ha sostenido, siempre, una actitud de significación personal ambivalente. Desde no considerar al poema como la máxima obra nacional, hasta la sentencia ir ónica de su paradoja de que, al fin de cuentas, Fierro es un gaucho desertor y "homicida".
Un aporte merecedor de estima en el orden de estas polémicas ideológicas, es suministrado por Ernesto Sabato. Dice, en relación con la crítica marxista: "Un crítico de izquierda, que pretende utilizar a Marx como maestro, sostiene que el Don Segundo Sombra de Güiraldes no existe, que es apenas la visión que un estanciero tiene del antiguo gaucho de la provincia de Buenos Aires; lo que es más o menos como acusar a Homero de falsificador, porque exhaustivos registros llevados a cabo en las montañas calabresas y sicilianas no han dado con un solo cíclope".
La sociología de la literatura muestra -empero-, con todos los cuidados que se deben tener, que en toda valoración de una obra literaria las ideologías, sociales, políticas y económicas, no pueden dejar de alguna manera de estar presentes.
La novela está escrita en un lenguaje llano y con frecuencia, especialmente en los diálogos, con regionalismos gauchescos de la llanura argentina. El vocabulario está cargado de palabras frecuentes en Argentina, y, sobre todo, en la vida campesina de la provincia de Buenos Aires. Una buena edición de esta obra, como ya mencionaremos y tal como acontece en gran parte de la literatura gauchesca, hace indispensable un glosario. El brillo chispeante y pintoresco de los hombres de campo es así uno de los atractivos que atrapan y dan verosimilitud al texto.
Pero a pesar de lo que acabamos de decir, la voz del poeta que fue Ricardo Güiraldes, aquí y allá se hace escuchar con hallazgos de recursos literarios que matizan líricamente las páginas. Veamos: "En la pampa las impresiones son rápidas, espasmódicas, para luego borrarse en la amplitud del ambiente, sin dejar huella". Hay hallazgos relevantes en ciertas comparaciones: "El sueño cayó sobre mí como una parva sobre un chingolo". En alguna sinestesia: "Las aguas hiciéronse frías a mis ojos". Las comparaciones harto expresivas en momentos conmovedores:"Me fui, como quien se desangra". Imágenes y metáforas para el paisaje:"Una luz fresca chorreaba de oro el campo".O...:"En derredor, los pastizales renacían en silencio, chispeantes de rocío."
Son frecuentes los argentinismos."Para las casas"...O los diminutivos de uso harto frecuente en nuestro medio urbano o rural: "al ratito", "no era sino un resplandorcito"...
De este modo confluyen en el autor su formación estrictamente literaria, que incursionó primeramente en la poesía, y el tono gauchesco del hombre de estancia que ama las cosas de su tierra. En su estilo están bien captadas todas las reticencias del paisano, en ironías,en bromas, en pícaras sugerencias, en comparaciones que animizan seres y cosas.
La obra es una pintura de nuestro campo; tal vez, del que fue y ya no es de este modo, exactamente. El resero o tropero, aquí y en todas las grandes llanuras del planeta, ha sido suplido por los transportes-jaulas mecanizados,tal como otrora el muy arcaico arado de una sola reja tirado por bueyes, por un tractor. Y el transporte de la hacienda por camiones y trenes. Las inclemencias del tiempo que azotaban a los animales y a los jinetes en campo abierto, ya son cosa de la historia. El poncho amigo que defendía de los temporales forma parte de un atuendo acaso decorativo.
Así como en "Martín Fierro" la amistad entre el sargento Cruz y el protagonista, es un símbolo emblemático del culto a este compartido sentimiento argentino, al decir de Borges, en "Don Segundo Sombra" el centro temático ha de ser el vínculo viril entre un gaucho inteligente, serio, callado, y un muchacho "Gaucho" hambriento de paternidad... Fabio Cáceres: el hijo no reconocido por su padre y abandonado al cuidado de "unas tías".
Con esta obra se clausura de modo brillante, en el siglo XX, el ciclo de la literatura gauchesca iniciado en el XIXFacundo, de Sarmiento, tal vez la mejor prosa de este último centenar de años o, por qué no, de toda la literatura argentina -tal es un parecer de Borges- pintará el conflicto entre civilización y barbarie. En tanto que el Martín Fierro diseñará la figura desdichada del gaucho del período posterior a Juan Manuel de Rosas, perseguido, olvidado y con frecuencia tenido en menos. Conociendo a Hernández y sus limitaciones, no puede dejar de apreciarse -como lúcidamente descubriera Leopoldo Lugones- una obra genial en nuestro supremo poema gauchesco. Estas grandes obras, las de Güiraldes, Sarmiento, Hernández, están tocadas por una especial musa inspiradora.
Ángel Mazzei, en un estudio preliminar a una edición de "Don Segundo Sombra", ha dicho:"...es, ante todo, una obra donde el acierto de la concepción se une, plenamente, al de la ejecución.Hay creaciones donde la realización de la forma parece superior a su materia; otras demuestran un desajuste irreparable entre el propósito y el logro; Güiraldes logró la máxima aproximación entre su proyecto de novela y la novela misma".(Estudio preliminar a "Don Segundo Sombra", de Ricardo Güiraldes, Editorial Kapelusz,Buenos Aires, 1978)
La ciudad de Buenos Aires ha sido curiosamente parca en monumentos y homenajes al autor de la novela que analizamos. Tan sólo dos cuadras de un modesto pasaje, en Villa Lugano, entre Zuviría y Santander, se llama Ricardo Güiraldes. Y el monumento al "resero" en la plazoleta ubicada en el ancestral Mercado de Liniers, en Mataderos, en Avenida de los Corrales y Lisandro de la Torre. Lugar éste de una consagrada feria gauchesca de reunión dominical, acompañada de festivales. En conjunto, un centro de atracción para los vecinos y para personas movidas por apetitos turísticos. También existe la plaza "Don Segundo Sombra" en la Ciudad Autónoma de Buenos Aires, más precisamente en el barrio de Flores, ubicada en la calle Santander, rodeada de las calles Nepper, Carlos Ortiz, Alonso Rodríguez, Juan Del Castillo y Aroma.

(FONTE:WILKIPÉDIA)