sábado, 11 de abril de 2015

PEREGRINAS INQUIETUDES-O PREFÁCIO


                                                                  
                                               PREFÁCIO


                   Antes de abordar este livro de Moisés Menezes, propria­mente dito, cumpre-me externar três observações. As quais, aliás, são fundadas em opiniões muito pessoais, mas que alcançam a opinião comum de muitos outros nessa diversidade imensa que é o país em que vivemos. Diversidade que, por vezes, leva-nos a imaginar que qualquer equívoco cultural esteja enraizado em nós mesmos. Não nos outros. Uma dessas observações, por exemplo, diz respeito à cultura que nos identifica e nos caracteriza como um agregado humano específico. Outra que se refere a determi­nados gostos que definem nossas predileções por arte, literatura, cinema, música, teatro e assim por diante. Outra, ainda, relacio­nada ao modo como lidamos com tudo isso.
                       Os elementos que definem nossa identidade cultural pas­sam, necessariamente, por insondáveis conteúdos por vezes quase indecifráveis para a maioria da população. Pois, afinal, um país com estas dimensões, recheado de costumes diferentes, formado em múltiplas circunstâncias históricas, dificilmente pode ensejar uma compreensão linear de tudo que se acumulou ao longo do tempo. Afora esse problema, um outro, relacionado com a tão co­nhecida desigualdade social. Pois, foi nessa desigualdade que se formou uma elite, que considera não apenas a condição social dos diferentes estamentos, mas também aquilo a que poderíamos de­nominar de “gosto pelas coisas”.
Um abismo imenso se formou a partir do gosto, que colo­ca uns em determinada alçada, outros em outra. Isto é, objetos de gosto de uns, muitas vezes é objeto de “não gosto” de outros. Uma situação que revela, seja no mundo inteligente das academias e dos salões frequentados com glamour e sofisticação, seja no mun­do comum das pessoas que não se preocupam com aquilo a que se denominaria “protocolo estético”, desnível de incontornável re­paração. Não é fácil lidar com esta questão. Porque o que alguns
apreciam, outros não. Mas o fato dessa diferença de gosto interpõe uma abjurada condição de mais desigualdade.
                     Talvez poucos conheçam o nome do biógrafo de Emílio de Menezes, Campos Sales e José de Alencar, o saudoso escritor Rai­mundo Álvaro de Menezes, antigo presidente da União Brasileira de Escritores. Em minha juventude eu passei alguns anos datilo­grafando (que era como se falava, então) originais de algumas de suas mais importantes obras. No momento em que ele organizava o grande Dicionário Literário Brasileiro, depois de determinar o formato dos verbetes, passou-me centenas de folhas com nomes de autores importantes e conhecidos, recomendando que o trata­mento para todos deveria ser igual, variando apenas a ordem de entrada de cada um segundo a ordem alfabética dos respectivos nomes.
                        Com o passar do tempo, a obra engrossando e os nomes sendo acrescentados na medida em que eram localizadas obras nem tão conhecidas, entregou-me quase um milhar daqueles que viriam a se converter em pequenos, quase minúsculos verbetes. Quando levei de volta a série acabada desses novos autores, depois de ler todos os textos, apanhou uma caneta esferográfica vermelha e suprimiu de algumas dezenas de verbetes a palavrinha que eu acrescentara à definição biográfica de cada um. Inúmeros desses autores eram poetas com obras publicadas pelo interior, princi­palmente, de Goiás a São Paulo, de Minas Gerais ao Rio Grande do Sul, de Mato Grosso ao Amazonas. Virou-se para mim e disse: “são todos poetas, não existe poeta regional, que é uma inven­ção da crítica; pois poesia é uma só, gênero literário de qualquer grandeza, que consagra o autor pela obra e não pelo lugar de onde vem, ou de onde fala”.
               Aprendi a lição para a vida.
               A apresentação desta obra de Moisés Menezes, como não seria de supor diferente, envolve as relações entre aquilo que uma crítica constituída já deliberou inserir nas estantes principais da literatura, como aquela outra obra, por vezes despretensiosa, mas
que contém em si uma importância inesperada. Seja pelos ecos que ressoarão no futuro uma lírica de resgate de nossos mais sa­grados valores, seja pela evocação presente de feitos no passado, dos quais não poderemos nos apartar. Pois, afinal, somos o que somos, porque viemos de onde viemos. Nada nem ninguém pode modificar essa circunstância, que é histórica e cultural.
                         Moisés Menezes é autor de obra vasta. Pode-se mesmo di­zer que ele é, antes de tudo, um intelectual, um recuperador e um artista. Intelectual que reflete e faz refletir sobre a origem de todos nós. Uma origem que só será valorizada no contexto de outras culturas, na medida em que saibamos inseri-la no acervo da Civi­lização. Para tanto, dependemos da capacidade criativa de intelec­tuais como ele. Razão pela qual, como autor ele é um recuperador. Recupera por meio da literatura que cria a cenas e o cenário por onde transitaram os atores dessa representação da qual resulta­mos.
                      Nesse itinerário criativo ele se revela artista, pois reconstrói a partir de sua literatura lírica a inefável poesia dos descampados, das pradarias, dos fogos de chão, das trovas e, principalmente, dos sonhares que a idade acaba arrebatando e no lugar deposita o sen­timento de uma “gauchidade” que existe, ou existiu, à mercê de um tempo transformado.
Brindo ao poeta Moisés Menezes com uma de suas pró­prias estrofes: “O tempo o vai / esculpindo / sem olvidar velhas crenças / e um guerreiro libertário / vai-se forjando ‘al despacio’ / no contraponto dos dias”.


                                            Victor Aquino *




* Gaúcho de Tupanciretã. Doutor em ciências. Professor titular da Escola de Comuni­cações e Artes da Universidade de São Paulo, da qual foi diretor entre 1997 e 2001. Pre­sidente da ABECOM (Associação Brasileira de Escolas de Comunicação) entre 1999 e 2002. Fundador e primeiro presidente da FUNDAC (Fundação para o Desenvolvimento das Artes e da Comunicação) e i-DN (Instituto Dona Neta) mantenedor do Instituto da Moda e INMOD France. Autor de 84 obras, a maioria disponível para leitura em www.victoraquino.com.











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