A trama desenvolve-se em uma pequena
cidade do interior do extremo sul do Brasil de tal forma que a tessitura
ficcional possibilita imaginar que os fatos possam ter acontecido em qualquer
cidade do interior do Rio Grande do Sul, pois trata-se de uma obra que nos leva
a crer que a arte imita a vida e vice-versa, ficando muito nítido,ainda, que
tudo se desenrola ,que tudo se passa sob a égide do “Império do Boi”.
A cidade é meio perdida, no meio do nada, pacata, calma, onde tudo acontece
conforme o previsto como se obedecendo um antigo adágio popular:
“quem pode manda e quem tem
juízo obedece”.
Uma cidade que faz lembrar o trecho da
letra de uma canção de Robson Barenho (Trem das Sete):
“......ninguém se queixa do
padre
Nem aos outros desagrada
E há um pelotão da Brigada
Que vive na
ociosidade.”.....
Importante observar que é o padre local
que mantém essa ordem, que mantém os cristãos “em forma”, obedientes,
conformados e assim o sol nasce e se põe no seu horário habitual e como nos diz
o poeta Silva Rillo:
“...os bois mandavam
nos homens,
e por isso a vida era
mansa na cidadezinha
arrodeada de ventos,
chácaras e estâncias.
Os touros cumpriam
devotamente o seu mister
e as vacas,
pacientes, pariam
terneiros e terneiros
e terneiros.
O campo engordava os
bois,
as tropas de abril
engordavam os homens
e os homens
engordavam as mulheres..”...
Tudo caminha na mais santa paz no
pequeno feudo agropastoril sob o olhar atento do vigário que age de acordo com
os ditames da “guardiã das chaves” (do templo e da casa paroquial) que é o olho
onipresente da elite pastora a vigiar que o pároco lhes fosse útil e fiel.
A “guardiã das chaves” tem o poder que
lhe é conferido por essa guarda, afinal no catolicismo cultua-se a figura de
São Pedro como “Guardião das Chaves do Céu” em Evangelho de Mateus, 16:19:
"Eu te darei as chaves do Reino dos
Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que
desligardes na terra, será desligado nos céus".
Pedro tem o poder de abrir e fechar
as portas do céu e assim de deixar entrar e sair apenas os “escolhidos” e como
Pedro é o apóstolo mais importante para Cristo:“-....Sobre ti edificarei minha Igreja...”Temos aqui uma real dimensão do
poder e da importância que representa ser a “guardiã das chaves” no contexto
paroquial.
Na obra o poder se consubstancia
muito acima do livre acesso ao templo e à casa paroquial. Esse poder concedeu a
senhora Vivi um status que a torna uma espécie de Richelieu de saias, uma
fazedora e derrubadora de párocos.
Esse poder começa a sofrer desgaste e
isso se dá no momento em que o açougueiro questiona o destino da carne que é
adquirida para a casa paroquial sendo o padre do momento(Max) um vegetariano
confesso. Esse questionamento e o vegetarismo do vigário coloca todo o furor e
a maledicência de dona Vivi contra os dois; um porque se atreve a questionar
quem não pode e não deve ser questionada ;o outro porque ao renegar o consumo
de carne passa ser visto como virtual e perigoso inimigo do “Império do Boi”.
Ambos são atingidos por virulenta
campanha difamatória na forma de um Cordel Anônimo que remete sub-repticiamente
para um possível romance pecaminoso entre o padre a filha do açougueiro uma
insossa, inodora e honesta professora primária.
A “guardiã das chaves” derrubou o 18º
padre e, agora, a Diocese se envolve em longas e cansativas reuniões para definir
um perfil, para escolher um novo pároco, mas não um padre comum, não mais um
derrubável facilmente, mas alguém que se imponha, que seja adequado ao lugar e
que lá queira passar talvez o resto de seus dias. Alguém que seja um soldado
fiel, desprovido de ambição maior, mas que tenha autoridade para retomar as
chaves da paróquia sem contudo, afetar as relações da Igreja com o “Império do
Boi” que se personifica na figura do tosco e rico coronel Maciel Bezerra, um incansável
benemerente por uma Igreja cordata que mantenha e cuide de um cordato rebanho.
Assim a escolha recai sobre o padre
Bernadet que assume a paróquia, retoma as chaves, manda na Igreja, manda na
Escola e a quem todos obedecem, mas que no fundo se enquadra perfeitamente
nesse fragmento do poema Herança de
Silva Rillo:
.....”a igreja tinha santos nos altares
e havia mulheres rezando ao pé do
santos.
O padre usava uma batina cheia de
manchas e botões,
batizava crianças, encomendava os
mortos,
rezava a missa em latim: "Agnus
Dei"...
e comia cordeiro gordo na mesa do
intendente”....
Finalmente podemos afirmar que tudo continua
a caminhar na mais santa paz no pequeno feudo agropastoril sob o olhar atento
do vigário que é o olho onipresente da elite dirigente do “Império do Boi”.
Moisés
Silveira de Menezes-Ago 2013
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