quinta-feira, 12 de setembro de 2013

UM RÁPIDO OLHAR SOBRE O PADRE E O AÇOUGUEIRO-DE VICTOR AQUINO



       A trama desenvolve-se em uma pequena cidade do interior do extremo sul do Brasil de tal forma que a tessitura ficcional possibilita imaginar que os fatos possam ter acontecido em qualquer cidade do interior do Rio Grande do Sul, pois trata-se de uma obra que nos leva a crer que a arte imita a vida e vice-versa, ficando muito nítido,ainda, que tudo se desenrola ,que tudo se passa sob a égide do “Império do Boi”.
      A cidade é meio perdida, no meio do nada, pacata, calma, onde tudo acontece conforme o previsto como se obedecendo um antigo adágio popular:
“quem pode manda e quem tem juízo obedece”.
         Uma cidade que faz lembrar o trecho da letra de uma canção de Robson Barenho (Trem das Sete):
“......ninguém se queixa do padre
Nem aos outros desagrada
E há um pelotão da Brigada
Que vive na ociosidade.”.....
        Importante observar que é o padre local que mantém essa ordem, que mantém os cristãos “em forma”, obedientes, conformados e assim o sol nasce e se põe no seu horário habitual e como nos diz o poeta Silva Rillo:
“...os bois mandavam nos homens,
e por isso a vida era mansa na cidadezinha
arrodeada de ventos, chácaras e estâncias.
Os touros cumpriam devotamente o seu mister
e as vacas, pacientes, pariam
terneiros e terneiros e terneiros.
O campo engordava os bois,
as tropas de abril engordavam os homens
e os homens engordavam as mulheres..”...
          Tudo caminha na mais santa paz no pequeno feudo agropastoril sob o olhar atento do vigário que age de acordo com os ditames da “guardiã das chaves” (do templo e da casa paroquial) que é o olho onipresente da elite pastora a vigiar que o pároco lhes fosse útil e fiel.
         A “guardiã das chaves” tem o poder que lhe é conferido por essa guarda, afinal no catolicismo cultua-se a figura de São Pedro como “Guardião das Chaves do Céu” em Evangelho de Mateus, 16:19:
       "Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra, será desligado nos céus".
           Pedro tem o poder de abrir e fechar as portas do céu e assim de deixar entrar e sair apenas os “escolhidos” e como Pedro é o apóstolo mais importante para Cristo:“-....Sobre ti edificarei minha Igreja...”Temos aqui uma real dimensão do poder e da importância que representa ser a “guardiã das chaves” no contexto paroquial.
              Na obra o poder se consubstancia muito acima do livre acesso ao templo e à casa paroquial. Esse poder concedeu a senhora Vivi um status que a torna uma espécie de Richelieu de saias, uma fazedora e derrubadora de párocos.
              Esse poder começa a sofrer desgaste e isso se dá no momento em que o açougueiro questiona o destino da carne que é adquirida para a casa paroquial sendo o padre do momento(Max) um vegetariano confesso. Esse questionamento e o vegetarismo do vigário coloca todo o furor e a maledicência de dona Vivi contra os dois; um porque se atreve a questionar quem não pode e não deve ser questionada ;o outro porque ao renegar o consumo de carne passa ser visto como virtual e perigoso inimigo do “Império do Boi”.
            Ambos são atingidos por virulenta campanha difamatória na forma de um Cordel Anônimo que remete sub-repticiamente para um possível romance pecaminoso entre o padre a filha do açougueiro uma insossa, inodora e honesta professora primária.
         A “guardiã das chaves” derrubou o 18º padre e, agora, a Diocese se envolve em longas e cansativas reuniões para definir um perfil, para escolher um novo pároco, mas não um padre comum, não mais um derrubável facilmente, mas alguém que se imponha, que seja adequado ao lugar e que lá queira passar talvez o resto de seus dias. Alguém que seja um soldado fiel, desprovido de ambição maior, mas que tenha autoridade para retomar as chaves da paróquia sem contudo, afetar as relações da Igreja com o “Império do Boi” que se personifica na figura do tosco e rico coronel Maciel Bezerra, um incansável benemerente por uma Igreja cordata que mantenha e cuide de um cordato rebanho.
       Assim a escolha recai sobre o padre Bernadet que assume a paróquia, retoma as chaves, manda na Igreja, manda na Escola e a quem todos obedecem, mas que no fundo se enquadra perfeitamente nesse fragmento do poema  Herança de Silva Rillo:
.....”a igreja tinha santos nos altares
e havia mulheres rezando ao pé do santos.
O padre usava uma batina cheia de manchas e botões,
batizava crianças, encomendava os mortos,
rezava a missa em latim: "Agnus Dei"...
e comia cordeiro gordo na mesa do intendente”....
           Finalmente podemos afirmar que tudo continua a caminhar na mais santa paz no pequeno feudo agropastoril sob o olhar atento do vigário que é o olho onipresente da elite dirigente do “Império do Boi”.


                                      Moisés Silveira de Menezes-Ago 2013

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